PONTOS CHAVES
- Escolas públicas permanecem sem previsão de retorno
- Desigualdade poderá ser amplificada em todo o país
- Analistas afirmam que a reabertura é necessária
Suspensão das aulas do ensino básico vira pauta entre especialistas. Desde o mês de março, as escolas da rede pública de diversas regiões do país estão com as portas fechadas mediante a chegada do novo coronavírus. Muitos gestores públicos afirmam que a decisão de reabertura não é segura tendo em vista o alto índice de contaminação pela doença. No entanto, em níveis sociais e econômicos a paralisação pode gerar resultados desastrosos.
A chegada do novo coronavírus modificou o cenário econômico, político e social de todo o país. Entre as decisões tomadas, optou-se pela suspensão das aulas nas redes de ensino público para evitar o crescimento das taxas de contágio pela doença.
Porém após meses de portas fechadas, as escolas passam a virar pauta entre os analistas que afirmam que o efeito de tal suspensão irá agravar a desigualdade social do país.
Um dos principais argumentos do poder público para manter os centros de ensino fechados é o fato de que tais espaços e seu público alvo não contém a segurança necessária para evitar uma nova onda de contaminação por covid-19 ainda mais grave.
Trata-se, segundo eles, de uma questão de saúde pública, mas até agora pouco se fala sobre os dados sociais de manter as crianças afastadas de suas atividades.
Diferença entre bares, restaurantes e escolas
Aqueles que criticam a decisão de suspensão das atividades estudantis apresentam como contraponto o fato de que em grande parte do país bares e restaurantes já voltaram a funcionar. Muitos questionam-se sobre qual a real necessidade e grau de prioridade entre ambos os serviços.
Quanto aos riscos de contaminação e possibilidade de reabertura das escolas, o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador-geral do maior estudo sobre prevalência do coronavírus na população, o Epicovid, explica que é um ponto delicado.
De acordo com ele, é preciso levar em consideração o grupo de risco e situação social dessas famílias.
“É uma empreitada grande, complexa, e o Brasil tem costume de simplificar as coisas. A criança não vai para a escola sozinha e pode morar com pessoas de grupo de risco. Temos de pensar na estrutura toda e em como vão ficar as famílias mais pobres, que já foram as mais atingidas pela pandemia”, afirmou.
Já Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação, acredita que a decisão de reabertura deve ser tomada não em âmbito nacional, mas a partir da realidade de cada cidade para com o enfrentamento contra a covid.
“Se é o momento ou não, vai depender da situação de cada município. Mas a decisão do ‘quando’ não pode substituir a do ‘como’ retomar as aulas. Mesmo que ainda não seja seguro reabrir as escolas, o planejamento não deve ser adiado”, pontuou.
Desigualdade em pauta
Um dos principais efeitos de manter as escolas fechadas está relacionado aos impactos em nível de desigualdade social. Para os vestibulandos que irão prestar o Enem, por exemplo, a suspensão das atividades irá resultar em um distanciamento ainda maior dos alunos da rede pública das Universidades Federais e Estaduais.
O processo seletivo já é tido como desigual mesmo antes a pandemia, tendo em vista que o ensino público no país não se enquadra nos mais renomados índices de boa avaliação.
É válido ressaltar ainda que, para quem estuda em escola privada, há um cronograma acadêmico sendo seguido através de plataformas digitais. Realidade distinta daqueles menos favorecidos.
Há ainda outros pontos que devem ser levados em consideração, como o fato de que que 26% das escolas brasileiras não recebem abastecimento público de água, e quase metade (49%) não têm acesso à rede pública de esgoto, segundo o Censo Escolar 2018.
Com as portas fechadas, espera-se que esse cenário fique ainda pior e o grau de descaso para o o ensino básico público se amplifique.
Ausência da merenda prolonga a fome
É preciso relembrar ainda que, grande parte dos alunos têm como principal fonte de alimento as merendas ofertadas durante o período escolar. Com a suspensão das atividades, a população tornou-se mais vulnerável.
“Até os hábitos de alimentação foram prejudicados. Sem a merenda, crianças ficaram sem comer ou passaram a consumir mais produtos industrializados. Os impactos vão além dos prejuízos pedagógicos”, diz Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil.
“Ter a merenda como principal refeição do dia não significa que a criança precisa voltar à escola. O que precisa ter é distribuição de alimentos. Não foi a pandemia que levou essas crianças a não ter o que comer, já não tinham antes. Não só em locais remotos, há crianças em comunidades no Lago Paranoá [em Brasília, capital federal] que passam fome todos os dias”, concordou Catarina Santos, da Campanha Nacional pela Educação.
Dessa forma, entende-se que a reabertura das escolas não poderá ser pensada apenas mediante a aparição de uma vacina. É preciso que os gestores arrumem formas seguras e eficazes de fornecer, para este grupo, um retorno gradual e necessário.