SALESóPOLIS, SP — A aposentadoria no Brasil parece cada vez mais distante para milhões de trabalhadores. Não se trata apenas de percepção: os dados comprovam que o país vem enfrentando desafios estruturais para garantir uma velhice com segurança financeira.

(Foto: Jeane de Oliveira/FDR)
Uma pesquisa feita pela consultoria Mercer e pelo CFA Institute em 2024, apontou o Brasil como o 33º colocado entre 48 países avaliados em qualidade de aposentadoria.
Entre os maiores entraves para o Brasil estão a desigualdade, a baixa renda na velhice e a instabilidade do sistema previdenciário. Essa situação tem levado muitos brasileiros a desistirem da ideia de se aposentar nos moldes tradicionais.
Por que se aposentar está mais difícil no Brasil?
A dificuldade em se aposentar vai além das regras do INSS. Ela envolve mudanças legislativas, mercado de trabalho instável, envelhecimento populacional e desigualdade social.
Nos últimos anos, o caminho até o benefício ficou mais longo, com exigências mais duras e perspectivas incertas. Quem está entrando no mercado agora já prevê que, mesmo contribuindo por décadas, talvez nunca consiga parar de trabalhar de fato.
Regras mais rígidas após a Reforma da Previdência
A Reforma da Previdência, aprovada em 2019, mudou bastante as regras para se aposentar. Antes, era possível conquistar o benefício apenas com o tempo de contribuição: 30 anos para mulheres e 35 para homens.
Agora, há uma idade mínima: 62 anos para mulheres e 65 para homens, além do tempo mínimo de contribuição de 15 anos (20 anos para homens que ainda não contribuíram).
Para quem já estava no mercado, foram criadas regras de transição, mas mesmo essas exigem mais tempo de trabalho ou o cumprimento de um sistema de pontos, que combina idade e tempo de contribuição.
Bem como, essas regras de transição não são estáticas. A cada ano, há mudanças nos requisitos, como aumento na pontuação ou na idade mínima.
Em 2025, por exemplo, a aposentadoria por pontos passou a exigir 92 pontos para mulheres e 102 para homens. A cada ano, até 2031, essa pontuação sobe, o que obriga o trabalhador a contribuir por mais tempo.
Por isso, muitos trabalhadores relataram frustração por estarem próximos de se aposentar antes da reforma e terem que adiar seus planos.
Sugestão: entrevistar um trabalhador que teve que mudar os planos por conta da regra de transição.
Mercado de trabalho instável e informalidade crescente
Outro obstáculo relevante é o próprio mercado de trabalho. O Brasil tem uma taxa elevada de informalidade, cerca de 38% dos trabalhadores, de acordo com dados do IBGE de 2023.
Isso significa que milhões de pessoas não contribuem regularmente com o INSS. Além disso, empregos formais muitas vezes são interrompidos por períodos de desemprego, o que compromete o tempo de contribuição.
Sem estabilidade no emprego, muita gente não consegue completar os requisitos mínimos para a aposentadoria.
“Minha realidade, sem ter contribuído para conseguir aposentar com 65 anos, será continuar trabalhando até conseguir. Talvez guardar dinheiro para uma reserva de emergência, mas sem grandes garantias”, diz Rodolfo Cunha, mecânico autônomo de 56 anos.
Contribuir a vida toda e não conseguir parar de trabalhar
Mesmo entre os que conseguem se aposentar, parar de trabalhar está longe de ser uma realidade. Conforme uma pesquisa do Datafolha, realizada em 2023, 58% dos brasileiros com mais de 60 anos ainda trabalham, a maioria por necessidade financeira.
O valor médio das aposentadorias também é baixo, quase 70% dos aposentados recebem apenas um salário mínimo. Com esse valor, os idosos não conseguem manter uma vida digna e precisam continuar trabalhando, muitas vezes em condições precárias.
Envelhecimento populacional e sustentabilidade do sistema
O sistema previdenciário brasileiro enfrenta ainda um desafio demográfico: o envelhecimento da população.
De acordo com o Ipea, o número de beneficiários da Previdência Social pode dobrar até 2060, atingindo cerca de 66 milhões de pessoas. E, ao mesmo tempo, haverá cada vez menos pessoas contribuindo: a estimativa é que em 2060 haverá apenas 0,86 contribuinte para cada beneficiário.
Isso se deve também à queda na taxa de natalidade. Segundo o IBGE, em 2023 o Brasil registrou a menor taxa de fecundidade da história: apenas 1,67 filho por mulher. Ou seja, menos jovens para sustentar um número crescente de idosos.
Lembrando que hoje a conta já não fecha. Em 2024, o déficit da Previdência superou os R$ 320 bilhões.
Desistência da aposentadoria por parte dos trabalhadores
Diante de tantos obstáculos, cresce o número de brasileiros que simplesmente deixam de acreditar na aposentadoria. Muitos jovens já nem cogitam depender do INSS no futuro. A insegurança em relação às regras e o baixo valor do benefício afastam cada vez mais pessoas do sistema.
Outros, especialmente os informais, não conseguem contribuir de forma contínua. E, mesmo entre os que contribuem, o uso de uma calculadora de aposentadoria muitas vezes revela uma dura verdade: a projeção de renda é insuficiente para manter o padrão de vida.
Quem vai sentir mais os efeitos da dificuldade para se aposentar?
Os mais afetados serão justamente os mais jovens, os trabalhadores com vínculos precários e salários baixos.
Entre eles estão os autônomos e aqueles que trabalham sem registro. A informalidade dificulta a contribuição regular ao INSS. Muitas vezes, essas pessoas precisam escolher entre pagar a Previdência ou cobrir despesas básicas do dia a dia.
A situação também é crítica para os desempregados de longo prazo. Sem renda, deixam de contribuir por anos. Já quem trabalha com carteira assinada, mas recebe pouco, também pode ter problemas no futuro. Mesmo contribuindo, esses profissionais vão se aposentar, no máximo, com um salário mínimo.
Hoje, o Brasil tem quase 15 milhões de Microempreendedores Individuais (MEIs), segundo o Sebrae. Esse modelo de trabalho permite contribuição apenas sobre o valor do salário mínimo. Isso significa que, no futuro, o valor da aposentadoria dessa parcela de trabalhadores também será muito baixo.
“Por isso é essencial que as pessoas realizem um planejamento para envelhecer com antecedência. É preciso se programar para usufruir bem do dinheiro na velhice e ter condições de ter um suporte para manter a autonomia”, diz Márcia Sena, especialista em longevidade ativa e fundadora e CEO da Senior Concierge.
O que especialistas dizem sobre o futuro da aposentadoria no Brasil?
Especialistas afirmam que a tendência é que os brasileiros trabalhem por mais tempo. Isso se deve tanto ao aumento da expectativa de vida quanto às exigências legais. O conceito de aposentadoria aos 50 ou 60 anos está, aos poucos, desaparecendo.
Um levantamento do Banco Mundial conclui que, se o Brasil não agir com rapidez e profundidade, o sistema previdenciário poderá se tornar insustentável, forçando medidas extremas como o aumento da idade mínima para 78 anos.
Para os mais pobres, o cenário é ainda mais preocupante. O número de concessões do Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos sem condições de se sustentar, tem crescido. Embora seja uma alternativa, ele pressiona ainda mais as contas públicas, já que não exige contribuição prévia.
“Do jeito que está, o Brasil caminha para a insolvência do Estado. Juros vão subir, preços vão escalar e a economia vai paralisar. É preciso fazer uma reforma urgente”, disse o engenheiro e economista José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e que esteve à frente do Ministério da Previdência Social de 2002 a 2003, para o site do Fecomércio SP.
E diante da incerteza de se aposentar, cresce a importância da educação financeira. Buscar investimentos de longo prazo, como previdência privada, imóveis ou fundos, pode ser uma forma de garantir renda na velhice.