Em 13 de janeiro de 2025, a 12ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) emitiu um acórdão relevante (Apelação Cível nº 1049299-44.2023.8.26.0576), que destaca as dificuldades na implementação da Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021).
O julgamento reforça a complexidade da aplicação dessa legislação, que visa proteger consumidores sobrecarregados com dívidas, equilibrando os direitos dos devedores e das instituições financeiras. A decisão sobre a Lei do Superendividamento traz à tona os desafios jurídicos enfrentados na prática dessa nova lei.
Este julgamento é emblemático, pois aborda de forma detalhada a concessão imprudente de crédito, destacando os desafios na aplicação da Lei do Superendividamento. A decisão também revela as lacunas interpretativas que persistem no tratamento jurídico do superendividamento no Brasil, mesmo após mais de três anos da promulgação da lei.
O que baseou o julgamento sobre a Lei do Superendividamento?
O julgamento abordou a situação de uma consumidora que, ao contrair oito empréstimos com a mesma instituição financeira, acumulou uma dívida superior a R$ 240 mil. Sete desses empréstimos foram realizados em um curto período de 18 meses, comprometendo toda a sua renda.
A aplicação da Lei do Superendividamento, por meio da Lei nº 14.181/2021, foi fundamental para a revisão do caso. O tribunal reconheceu a concessão irresponsável de crédito, excluindo encargos e juros abusivos, além de considerar os pagamentos já efetuados.
Com essas correções, o valor da dívida remanescente foi reduzido para pouco mais de R$ 180 mil, proporcionando um alívio significativo à consumidora. A decisão reforça a importância da proteção aos consumidores em situações de superendividamento.
A Lei do Superendividamento foi aplicada para criar um plano de pagamento que prevê 180 parcelas mensais de R$ 1.000, com a última parcela destinada à quitação do saldo devedor. Essa estrutura visa viabilizar o pagamento da dívida de forma acessível.
Além disso, a decisão determinou que tanto a consumidora quanto a instituição financeira pagassem honorários advocatícios no valor de R$ 1.000 cada, com base no princípio da sucumbência recíproca. A fixação dos valores levou em consideração a análise equitativa do caso.
O destaque deste acórdão está no reconhecimento das práticas abusivas do fornecedor, além da adaptação das disposições da Lei do Superendividamento às especificidades da situação.
A Lei do Superendividamento tem gerado debates sobre como equilibrar a proteção ao consumidor com a previsibilidade jurídica. Algumas interpretações destacam a complexidade desse desafio, principalmente quando se considera o contexto econômico atual.
O julgamento em questão ilustra bem a dificuldade de conciliar os princípios da lei com a realidade de um mercado financeiro marcado pela expansão do crédito. Isso torna evidente o desafio de adaptar as normas às condições sociais e econômicas contemporâneas.
Concessão irresponsável de crédito
A Lei do Superendividamento foi aplicada ao reconhecer a concessão irresponsável de crédito por parte da instituição financeira. A consumidora acumulou oito empréstimos com o mesmo banco, sendo sete deles em apenas 18 meses, totalizando mais de R$ 240 mil, o que ultrapassou sua capacidade de pagamento.
A decisão judicial ressaltou a violação de dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, como os artigos 52, 54-C e 54-D, que garantem a avaliação responsável do crédito, a transparência nas contratações e o fornecimento de orientação adequada ao consumidor.
A Lei do Superendividamento foi fundamental para abordar a conduta irresponsável do banco, que desconsiderou a vulnerabilidade financeira e o agravamento da saúde da consumidora, diagnosticada com depressão. Essa atitude violou princípios essenciais, como a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
A aplicação do artigo 54-D, parágrafo único, foi crucial para excluir juros e encargos abusivos, mantendo apenas o valor principal da dívida. No entanto, a decisão não reconheceu danos morais, apesar da gravidade da conduta do fornecedor e do impacto emocional causado à consumidora.
Proibição de novas dívidas
A aplicação da Lei do Superendividamento foi reforçada pela decisão do Desembargador relator, que condicionou os efeitos do plano de pagamento à proibição de novas dívidas, exceto com autorização judicial. Essa medida demonstra uma postura proativa e exemplar.
Além disso, o envio de um ofício ao sistema financeiro assegurou que a consumidora não teria acesso irrestrito a novos créditos durante o período do plano. A ação não só protegeu a consumidora, mas também ressaltou a responsabilidade do sistema financeiro em evitar práticas prejudiciais.
A Lei do Superendividamento visa não apenas resolver casos de endividamento excessivo, mas também evitar sua repetição. Ao restringir o acesso a novos créditos, a decisão busca prevenir e educar, ajudando o consumidor a entender a importância de manter uma vida financeira equilibrada.
A atuação do Judiciário ao envolver o sistema financeiro amplia a eficácia da medida, incentivando maior fiscalização e adesão por parte das instituições financeiras. Essas instituições devem seguir os princípios de transparência e concessão responsável de crédito estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor.