A pressão por mão de obra criou um movimento inédito dentro das maiores redes de supermercados do país.
Mesmo com milhares de vagas abertas, muitas posições permanecem sem candidatos, principalmente funções de caixa, repositor, estoquista, açougueiro e padaria.
O fenômeno, no entanto, tem afetado o ritmo de expansão de diversas empresas e já levou o setor a rever regras tradicionais de contratação.
A principal causa é o descompasso entre o modelo de trabalho adotado há décadas e a nova realidade do trabalhador brasileiro.
Hoje, grande parte, ainda mais dos jovens, prioriza flexibilidade, previsibilidade e equilíbrio com a vida pessoal.
Porém, o varejo alimentar ainda funciona majoritariamente com jornadas rígidas, turnos rotativos e escalas como o conhecido 6×1 (seis dias de trabalho para uma folga). Além da obrigatoriedade de trabalhar aos fins de semana e ficar à disposição da empresa para eventualidades.
Com isso, redes supermercadistas relatam dificuldade crescente para atrair candidatos, mesmo oferecendo benefícios e remuneração compatível com o mercado.
Setor de Supermercados revê contratos e horários para se adaptar
Diante desse cenário, supermercados passaram a reformular seus modelos de contratação.
Contrato por hora ganha força
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) defende a ampliação do contrato por hora, mais próximo de regimes utilizados globalmente.
A aposta é que jornadas flexíveis possam atrair sobretudo jovens e pessoas que desejam conciliar trabalho com estudo ou atividades paralelas.
Em São Paulo, por exemplo, cerca de 34,5 mil vagas abertas já estão associadas a modelos mais flexíveis, especialmente para reduzir a alta rotatividade — um dos maiores custos operacionais do setor.
Escalas e funcionamento aos domingos são repensados
A tradicional escala 6×1 é vista como um dos principais entraves para novos contratados.
Relatos do setor afirmam que uma parte significativa dos candidatos desiste ao saber que trabalhará aos domingos.

Assim, algumas redes começaram a encurtar turnos ou dividir escalas de fim de semana.
Em estados como Espírito Santo, parte do varejo, aliás, já chegou a anunciar fechamento aos domingos por não conseguir formar equipes completas.
Sindicatos criticam mudanças
Por outro lado, entidades sindicais afirmam que o avanço de contratos por hora pode gerar precarização.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores), por exemplo, argumenta que vínculos intermitentes podem resultar em salários inferiores ao mínimo e perda de estabilidade mensal.
A discussão deve avançar nos próximos meses, já que qualquer mudança significativa exigirá ampla negociação coletiva.
Como isso impacta o consumidor e o mercado?
A falta de funcionários já provoca efeitos diretos no funcionamento das lojas. Há casos de setores operando abaixo da capacidade, filas maiores e demora na reposição de produtos.
Além disso, redes relatam que a dificuldade de montar equipes atrasou a abertura de novas unidades e limitou planos de expansão.
No curto prazo, o consumidor tende a perceber alterações nas escalas de atendimento, horários e até no número de caixas operando simultaneamente.
Para os trabalhadores, o modelo flexível pode abrir oportunidades rápidas de entrada no mercado.
Porém, especialistas alertam para a necessidade de regras claras para evitar remunerações instáveis.
Por que o problema cresceu tanto agora?
A mudança no comportamento da força de trabalho se intensificou após a pandemia. O crescimento de modelos flexíveis — como motoristas e entregadores de aplicativo — alterou o padrão de exigência dos trabalhadores.
Logo, a busca por autonomia e liberdade se tornou decisiva. Alie isso ao fenômeno da influência digital e diferentes promessas de enriquecimento fácil, e pronto. Afinal, ser caixa de mercado é pouco instagramável.
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Outro fator que pesa na conta, é fato do varejo passar a exigir mais qualificação, especialmente com o avanço das tecnologias de automação.
Na prática: o resultado é um desencontro entre oferta e demanda que pressiona o setor como nunca.
Mas não seria esse um protesto? De quem exatamente? Bem, de toda uma geração que cresceu com promessa de cargos promissores para quem se forma, se especializa e dedica a vida a uma função.
No entanto, se deparou com faculdades sucateadas, um mercado com modelo ultrapassado (para muitos), e cargos que não condizem com suas formações (quando formados).
Com a escassez de mão de obra e mudanças no comportamento dos trabalhadores, supermercados se veem obrigados a reinventar horários, escalas e modelos de contrato.
De todo modo, o cenário mostra que a relação entre varejo e força de trabalho está passando por uma transformação profunda, e irreversível.





