Nas redes sociais, mostramos o que queremos que o mundo veja. Essa versão cuidadosamente editada de nós mesmos, no entanto, não é sempre quem somos de fato. A psicologia chama essa divisão de efeito doppelgänger, um conceito que surgiu há mais de um século e que hoje ganha nova força no universo digital.
Na literatura, o doppelgänger era o “duplo”, uma sombra que refletia os medos e desejos reprimidos do protagonista. Hoje, ele se manifesta como o “eu digital”, ou seja, uma versão construída, filtrada e performada de nossa identidade.
O duplo na era das redes
A teoria do doppelgänger, que antes habitava os livros de ficção, agora vive nos feeds. Cada curtida, legenda e foto compartilhada molda uma narrativa sobre quem queremos ser.
Criamos um “espelho virtual” no qual só aparecem os traços que consideramos socialmente aceitos ou admiráveis.
Segundo a psicologia analítica de Carl Jung, essa projeção esconde o chamado “eu sombra”, que seriam aspectos da personalidade que preferimos ignorar. No ambiente digital, isso pode gerar conflito interno, já que a discrepância entre o “eu real” e o “eu online” tende a aumentar com o tempo.

Além disso, o duplo digital também alimenta a comparação social. Ao ver apenas versões idealizadas dos outros, muitos passam a medir o próprio valor com base em métricas como curtidas e seguidores.
O resultado, portanto, é uma sensação de insuficiência e desconexão de si mesmo.
Quando o duplo assume o controle
O perigo surge quando o doppelgänger deixa de ser apenas uma representação e começa a ditar o comportamento real.
Isso acontece quando alguém passa a viver para manter a imagem criada online, por exemplo, escondendo emoções, fingindo conquistas ou buscando aprovação constante.
Esse tipo de dissociação entre identidade e aparência gera fadiga emocional, ansiedade e até perda de autenticidade.
Em casos extremos, o indivíduo passa a se sentir “observador de si mesmo”, como se fosse personagem de uma narrativa que precisa ser sustentada a qualquer custo.
Reconciliar o eu real e o eu digital
Reconhecer o próprio doppelgänger não é algo negativo. Pelo contrário, é o primeiro passo para integrar as partes fragmentadas da identidade. Isso envolve aceitar vulnerabilidades, mostrar imperfeições e permitir que o perfil digital reflita uma vida real, não apenas uma vitrine idealizada.
Ao usar as redes com mais consciência, tornamo-nos autores da própria narrativa, e não reféns dela. Afinal, o verdadeiro equilíbrio surge quando o “eu real” e o “eu virtual” caminham juntos, sem máscaras.





