Nas últimas semanas, relatos vindos de bairros de Salvador (BA) e outras regiões do Brasil chamaram atenção nas redes sociais.
Isso, porque, moradores afirmam ter sido intimidados por usarem roupas da Adidas, marca famosa pelas “três listras”.
O motivo? Em algumas comunidades, o símbolo estaria sendo interpretado como um código visual ligado a facções criminosas, sobretudo, o Terceiro Comando Puro (TCP).
Enquanto o Comando Vermelho (CV) seria associado à simbologia do “dois”, a Adidas passou a representar, segundo rumores locais, o “três”.
O resultado? Um intenso clima de tensão, medo e desinformação. Mas o que há de verdade nessa história?
O que dizem os relatos?
Tudo começou na região da Pituba, em Salvador. Comerciantes e moradores contaram que pessoas foram advertidas por usarem peças da Adidas.
Um deles chegou a ouvir: “Aqui é dois, e você tá de três. Cuidado.”
Em paralelo, circularam vídeos e prints de conversas alertando sobre o suposto “bloqueio da marca”. Algumas escolas teriam orientado alunos a evitar roupas com as três listras, e até certos gestos passaram a ser vistos com desconfiança.
Apesar do pânico, nenhuma autoridade confirmou oficialmente que há uma proibição formal imposta por facções.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirmou que investiga os casos. Porém, até o momento, não há registro sistemático de ataques motivados por roupas da Adidas.
Simbolismo de marcas e a lógica do território
A associação entre símbolos e facções não é nova. Aliás, em diversas cidades, grupos criminosos usam cores, números ou logotipos para marcar presença e distinguir rivais.
No fundo, é uma linguagem de pertencimento e intimidação territorial.
Segundo o Observatório de Segurança, esse tipo de codificação surge para comunicar poder de forma visual. Assim, se cria um “mapa invisível” de fronteiras urbanas.
Ou seja, um simples detalhe estético — como três listras, duas ondas ou uma cor específica — pode ganhar sentido político e criminal em certos contextos.
No caso baiano, o “três” das listras da Adidas acabou sendo interpretado como símbolo de uma facção local. Na prática, gerou conflito simbólico em áreas onde grupos rivais dominam.
Fato, boato e medo social em torno da Adidas e facções
Embora as reportagens regionais confirmem casos de intimidação pontual, especialistas alertam que o fenômeno também carrega elementos de boato e medo coletivo.
O sociólogo e pesquisador de segurança pública Bruno Paes Manso explica: esse tipo de narrativa se espalha rapidamente. Ainda mais porque mistura elementos reais de violência urbana com lendas urbanas sobre códigos secretos.
“O medo cria disciplina social. Mesmo sem uma regra formal, as pessoas passam a se autocensurar para evitar risco”, aponta o pesquisador.
Ou seja: ainda que existam incidentes isolados, a percepção do perigo se amplia, alimentada por vídeos, grupos de WhatsApp e manchetes sensacionalistas.
Casos semelhantes no Brasil, além da Adidas
O uso de marcas ou gestos como códigos de facção já apareceu em outros contextos.
- Em 2023, houve relatos de que o símbolo do Mickey estaria associado a um grupo criminoso no interior da Bahia, após confusões em redes sociais.
- No Rio de Janeiro, símbolos da Nike e números como “dois” e “três” também foram associados a facções locais (TCP e CV).
Esses casos mostram como símbolos globais podem ser reapropriados localmente, ganhando significados que nada têm a ver com a marca original.
O que o cidadão pode fazer?
Mesmo sem confirmação oficial de “banimento”, o cuidado é válido. Em áreas de vulnerabilidade social ou dominação territorial, especialistas em segurança recomendam:
- Evite ostentar símbolos fortemente associados a algum grupo, caso haja relatos de risco;
- Converse com moradores locais ou comerciantes antes de circular em certas regiões;
- Não compartilhe boatos sem checar a fonte;
- Em caso de ameaça, registre ocorrência na delegacia e priorize sua integridade física.
Essas medidas não significam ceder ao medo, mas agir com prudência em ambientes marcados por tensões sociais.
A polêmica sobre a Adidas ilustra como a violência simbólica das facções se infiltra até em elementos cotidianos. Roupas, gestos ou cores deixam de ser apenas estética e passam a carregar significados de poder.
Entretanto, é importante reforçar: a Adidas não tem qualquer vínculo com facções. O que existe é uma apropriação indevida de símbolos por grupos criminosos.